Aquilino Ribeiro (1885-1963) foi um dos maiores escritores portugueses do século XX. Nascido em Carregal de Tabosa, concelho de Sernancelhe, na Beira Alta, sua infância nas Terras do Demo influenciou profundamente sua obra literária, marcada por temas rurais, resistência e luta pela liberdade.
Estudou em seminários, mas abandonou a vida religiosa para se dedicar à política e à escrita. Envolveu-se no movimento republicano, sendo um crítico da monarquia e, mais tarde, da ditadura do Estado Novo, o que o levou a várias prisões e exílios. Suas convicções políticas refletiram-se também em sua obra, onde a luta pela liberdade e a vida camponesa têm grande destaque.
Aquilino escreveu mais de 30 livros, incluindo romances, ensaios e contos. Nas obras de referência de Aquilino Ribeiro destacam-se a colectânea de contos «Estrada de Santiago» (1922), que incluia o conto “Valeroso Milagre” cuja trama decorre no Mosteiro de Tabosa, e os romances «Terras do Demo» (1919), «Andam Faunos pelos Bosques» (1926), «Volfrâmio» (1944), «O Malhadinhas» (1946), «A Casa Grande de Romarigães» (1957), «Quando os Lobos Uivam» (1958) ou «O Livro da Marianinha» (1962).
Em 1960, foi proposto para o Prêmio Nobel da Literatura, e sua obra continua sendo fundamental na literatura portuguesa. O Escritor teve as honras, em 2007, de ficar sepultado no Panteão Nacional de Portugal.
(A Carlos Malheiro Dias)
Meu querido amigo e príncipe das letras: dê-me licença que lhe ofereça este livro, pobre de mim, (…) tosco nas imagens, incrível no que conta, composto até na mesma linguagem do tempo dos afonsinos. A ação decorre naqueles lugares onde a lenda se exprime ainda deste jeito: «Uma vez um homem travou do bordão e partiu a correr as sete partidas do Mundo. Andou, andou até que foi dar a uma terra de que ninguém faz ideia: a gente comia calhaus e ladrava como os cães. Circunscrito, adivinha-se, a indivíduos rudes, teve em mira este trabalho pintar dessas aldeias montesinhas que moram nos picotos da Beira, olham a Estrela, o Caramulo, a cernelha do Douro e, a norte, lhes parece gamela emborcada o Monte Marão. O vale, que as explora, trata-as despicientemente por Terras do Demo. Sem dúvida, nunca Cristo ali rompeu as sandálias, passou el-rei a caçar, ou os apóstolos da Igualdade em propaganda. Bárbaras e agrestes, mercê apenas do seu individualismo se têm mantido, sem perdas nem lucros, à margem da civilização. (…)”
Aquilino Ribeiro, Terras do Demo (1919)